terça-feira, 13 de outubro de 2009

O ser que todos nós temos esquecido...


Existe um ser a quem todos, sem exceção, têm esquecido; se foi recordado uma vez ou outra, foi de forma circunstancial, mas essa recordação fugaz não cumpre o objetivo a seguir assinalado, razão pela qual há que se declarar seu geral esquecimento.

Esse ser é a criança que cada um de nós foi, que nos proporcionou os melhores dias da existência e a quem, poderíamos dizer, devemos grande parte do que agora somos.

Podemos pensar, se assim você quiser, que o adulto é a continuação da criança, mas no que nunca se pensa é que a criança morre no momento em que nasce o homem. Agora, eu lhe pergunto: quais são os que recordam a criança morta? Durante seus dias maduros, quais os que tributam a homenagem de seus sentimentos a essa criança que só vimos com os olhos da inocência? No entanto, quanto suaviza os duros transes da vida a evocação dessa terna idade, sobretudo quando devemos cruzar caminhos infectados de perigos!

É necessário recordar a criança que um dia fomos

Quem pensa nessa criança e a contempla através de suas recordações, observando-a em suas brincadeiras, em seus pensamentos, em suas inclinações e em sua inocência, verá quanto tem a aprender com ela e quanto lhe deve; mais ainda: quanto deveria conservar daquele pequeno ser para que hoje, grande em tamanho e em idade, lhe seja permitido pelo menos experimentar algumas daquelas inocentes, porém gratas sensações que deram à sua vida as melhores horas.

Seria bom que cada um recordasse essa criança, a que foi, a que morreu. Que a recordasse muito, porque nessa recordação vai implícito o enlace da atual existência com a que se foi, pois o esquecimento destrói não só o vínculo que as une, mas também a própria sensibilidade.

São muitas as reflexões que acodem à mente quando a recordação converge para a criança; mas é necessário evocá-la com freqüência, para que nos inspire coisas sobre as quais até aqui não havíamos pensado.

Se esquecemos nossa própria criança, aquela que morreu, cometemos com isso, talvez sem querer, um crime simbólico: morrerá também o jovem e, sucessivamente, o que somos ou fomos em cada idade. Assim se irá esfumando no esquecimento e, sem que a sintamos, morrerá em nós, lentamente, toda a nossa vida.

Trechos extraídos do livro Diálogos, de Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)

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